sábado, 4 de abril de 2015

O que a vida oferece

       Conversando outro dia com um senhor saudosista, ele me contou que,quando sua filha tinha uns 10 anos de idade, ele costumava pegá-la pela mão e propunha:  "Vamos dar uma volta na rua para ver o que a vida oferece".
      Tanta gente aí esperando ansiosamente para ver o que a vida oferece, só que não sai de casa, e quando sai, não tem curiosidade e abertura para receber o que ela traz.
       Infelizmente, já não caminhamos pela rua, a não ser num ritmo acelerado, com trajeto definido e com intuito de queimar calorias. Marchamos rumo a um melhor condicionamento físico, o que é um belo hábito, mas, flanar, não flanamos mais. Não passeamos. As ruas estão esburacadas, há muitas ladeiras, o trânsito é barulhento e selvagem, compreende-se. Mesmo assim, a despeito de todos os inconvenientes, é preciso dar uma chance à vida, colocando-nos à disposição para que ela nos surpreenda.
     Ao sair sem pressa, paramos numa banca de revistas e descobrimos uma nova publicação. Dizemos bom dia para o jornaleiro e ele, gentil, nos troca uma nota de valor alto. Na calçada encontramos um velho amigo. Ou um artista famoso. Ou alguém que sempre nos prejudicou e hoje está mais prejudicado que nós, bem feito.
        Na rua, pegamos sol. Paramos para tomar um suco de maracujá com maçã. Flertamos. Um novo amor pode surgir de uma caminhada tranquila numa rua qualquer. E uma nova proposta de trabalho pode surgir de um esbarrão num ex-colega: " estava mesmo pensando em te procurar, cara".  Se continuasse apenas pensando, nada aconteceria.
        Na rua, o jeito de se vestir de uma moça inspira a gente a resgatar uma jaqueta que não usávamos mais. Bate de novo a vontade de ter um cachorro. Descobrimos que é hora de marcar um exame minucioso no joelho direito, por que ele incomoda tanto?
         Encontramos umas amigas num bistrô e paramos um instantinho para conversar, e então ficamos sabendo de uma exposição que não s e pode perder. 


         Passamos por uma livraria e damos uma namoradinha num livro que nos seduz. Ajudamos uma senhora que está saindo com várias sacolas de um supermercado, não custa dar uma mão. Aceitamos o folheto entregue por um garoto na esquina, anunciando uma cartomante que promete trazer seu amor de volta em três dias. Você joga o folheto no lixo, e não no meio-fio. Você compra flores para a sua casa. Você observa a fachada antiga de um prédio e resolve voltar ali com uma máquina fotográfica. Você entra numa igreja, não fazia isso há anos. Reencontra um ex-namorado que passa de carro e lhe oferece uma carona. Você nem tinha percebido como havia caminhado e como estava longe de casa. Aceita a carona. Um novo amor não surgiu, mas seu antigo amor foi resgatado em menos de três dias, nem precisou de cartomante.
          Pode nada disso acontecer, óbvio. Mas sem dar uma chance à vida é que não acontece mesmo.


Texto extraído do livro Felicidade Crônica - Martha Medeiros.