quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Nossos velhos


Pais heróis e mães rainhas do lar. Passamos boa parte de nossa existência cultivando estes estereótipos. Até que um dia o pai herói começa a passar o tempo todo sentado, resmunga baixinho e puxa os assuntos sem pé nem cabeça. A rainha do lar começa a ter dificuldade de concluir as frases e dá pra implicar com a empregada. O que papai e mamãe fizeram para caducar de uma hora para a outra? Fizeram 80 anos.

Nossos pais envelhecem. Ninguém havia nos preparado para isso. Um belo dia eles perdem o garbo, ficam mais vulneráveis e adquirem umas manias bobas. Estão cansados de cuidar dos outros e de servir de exemplo: agora chegou a vez de eles serem cuidados e mimados por nós, nem que para isso recorram a uma chantagenzinha  emocional. Têm muita quilometragem rodada e sabem tudo, o que não sabem eles inventam. Não fazem mais planos a longo prazo, agora dedicam-se a pequenas aventuras, como comer escondido tudo o que o médico proibiu. Estão com manchas na pele. Ficam tristes de repente. Mas não estão caducos: caducos ficam os filhos, que relutam em aceitar o ciclo da vida.

É complicado aceitar que nossos heróis e rainhas já não estão no controle da situação. Estão frágeis e um pouco esquecidos, têm este direito, mas seguimos exigindo deles a energia de uma usina. Não admitimos suas fraquezas, seu desânimo. Ficamos irritados se eles se atrapalham com o celular e ainda temos a cara de pau de corrigi-los quando usam expressões em desuso: calça de brim? frege? auto de praça?

Em vez de aceitarmos com serenidade o fato de que as pessoas adotam um ritmo mais lento com o passar dos anos, simplesmente ficamos irritados por eles terem traído nossa confiança, a confiança de que seriam indestrutíveis como os super-heróis. Provocamos discussões inúteis e os enervamos com nossa insistência para que tudo siga como sempre foi.

Essa nossa intolerância só pode ser medo. Medo de perdê-los, e medo de perdemos a nós mesmos, medo de também deixarmos de ser lúcidos e joviais. É uma enrascada essa tal de passagem do tempo. Nos ensinam a tirar proveito de cada etapa da vida, mas é difícil aceitar as etapas dos outros, ainda mais quando os outros são papai e mamãe, nossos alicerces, aqueles para quem sempre podíamos voltar, e que agora estão dando sinais de que um dia irão partir sem nós.



Texto extraído do livro Felicidade Crônica - Martha Medeiros

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Tome uma decisão, e então aja de acordo com ela




Todos nós reclamamos de alguém: do dentista, da babá, do contador. Nós descobrimos o jeito deles. Eles são superficiais, preguiçosos, descuidados, incompetentes ou desonestos, no entanto continuamos recorrendo a eles como cordeiros indo ao matadouro. Por que nos damos ao trabalho de chegar à conclusão correta, se não vamos agir de acordo com ela? Por que simplesmente não fazemos a coisa certa?

     Pode haver várias razões. Algumas vezes, hesitamos por causa de caridade equivocada ou por falta de confiança em nosso próprio julgamento. Temos ainda alguma dúvida sobre nossa impressão e sentimos que se formos um pouco mais fundo, encontraremos a informação que nos falta para explicar o comportamento da pessoa. Se você não estiver convencido de que sua evidência é consistente, é melhor voltar atrás e reunir mais informações. Mas lembre-se, não existe garantia de que você venha a entender completamente alguém, por mais informação que você consiga reunir. E em algum ponto você terá de tomar uma decisão, ou cairá na armadilha da "paralisia de análise".

    Algumas pessoas não conseguem agir simplesmente porque não conseguem suportar a dor emocional ou a incerteza de uma decisão difícil. Se você tem este problema, lembre-se de que manter o status quo também é uma decisão. Se um relacionamento não está funcionando, a decisão de não mudar é uma decisão de permanecer nele.

    Experimente um truquezinho, quando você estiver entalado numa situação e não for capaz de agir de acordo com a informação que reuniu. Faça de conta que tem diversas escolhas, uma das quais é exatamente deixar as coisas do modo que estão. Por exemplo, se estiver questionando se o seu relacionamento romântico atual é certo para você, pergunte-se: se eu fosse solteiro e encontrasse alguém exatamente igual a esta pessoa com quem estou envolvido atualmente, iria desejar um relacionamento com nova pessoa, ou preferiria continuar procurando? Avalie objetivamente toda a informação disponível. Se você descobrir que está evitando a perspectiva de entrar num novo relacionamento exatamente igual àquele em que está, então pode ser o momento certo para uma mudança.
    Há alguns anos experimentei este exercício, pois estava insatisfeita com a minha secretária. Eu me perguntei se a contrataria se precisasse de uma secretária e ela se candidatasse. E tive de responder um sonoro não. Por mais simples que pareça, precisei deste exercício para me ajudar a tomar a decisão correta.

    Algumas vezes, adiamos decisões porque nos enganamos, acreditando que a pessoa que nos desapontou irá mudar. Isso não acontece só entre namorados, casais e amigos. Por exemplo, os advogados deveriam saber disso, mas tenho visto muitos deles aceitarem um jurado que lhes é abertamente hostil porque acreditam que tal jurado pode mudar de opinião por causa de sua eloqüência. Mas raramente vi isso acontecer. Depois de observar milhares de pessoas tomando decisões, aprendi que é muito mais fácil mudar o modo como você pensa sobre uma pessoa do que mudar o modo como a pessoa pensa!
   


Texto extraído do livro Decifrar Pessoas - Jo-Ellan Dimitrius e Mark Mazzarella

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Quando a luz se acende...


             ...  Certa vez uma pessoa dormia mal porque morava num porão escuro.
                  Ela sonhava em colocar uma lâmpada no ambiente. Depois de muito pensar, contratou um eletricista e colocou a tão desejada lâmpada!
                  Antes de acendê-la, pensou: " Agora finalmente vou dormir tranquilo." Ao acendê-la, uma surpresa. Perdeu o sono. Por quê?
                  Porque a luz expôs uma realidade que ela não via: sujeira, insetos, aranhas... Só descansou depois de uma bela faxina...
                  Infelizmente, alguns preferem continuar no escuro!
                  De qualquer forma, de vez em quando vale a pena acender a luz do seu porão e fazer uma faxina na sua vida...


             

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Canção das mulheres

    Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
     Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
     Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se  irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
     Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
     Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
     Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
     Que o outro sinta quando me dói a ideia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida, não porque lá está a sua verdade mas talvez seu medo ou a sua culpa.
    Que se começo a chorar sem motivo depois de um dia daqueles, o outro não desconfie logo que é culpa dele, ou que não o amo mais.
    Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo " olha que estou tendo muita paciência com você!"
    Que se me entusiasmo por alguma coisa o outro não a diminua, nem me chame de ingênua, nem queira fechar essa porta necessária que se abre para mim, por mais tola que lhe pareça.
    Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
    Que quando levanto de madrugada e ando pela casa, o outro não venha logo atrás de mim reclamando: " Mas que chateação essa mania, volta pra cama!"
    Que se eu peço um segundo drinque no restaurante o outro não comente logo: "Poxa, mais um?"
    Que se eu eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
    Que o outro - filho, amigo, amante, marido - não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.
   Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.



Extraído do livro Pensar é transgredir - Lya Luft

domingo, 30 de agosto de 2015

Uma flor selvagem


         O amor é uma escultura que se faz sozinha.
         É uma flor inesperada sem estação do ano para surgir nem morrer. Vai sendo esboçada assim ao leu: aqui a sobrancelha se arqueia, ali desce a curva do pescoço, a mão toca a ponta de um pé, no meio estende-se a floresta das mil seduções.
          Imponderável como a obra de arte, o amor nem se define nem se enquadra: é cada vez outro, e novo, embora tão velho. Intemporal. Planta selvagem, precisa de ar para desabrochar mas também se move nos vãos mais escuros, em ambientes sufocantes onde rebrilham os olhos malignos da traição ou da indiferença, e a culpa o pode matar.
          O convívio é o exercício do amor na corda bamba. Os corpos se acomodam, as almas se espreitam, até se complementam. Mas pode-se cair no tédio - sem rede -, e bocejar olhando pela janela.
           Inventamos receitas para que o amor melhore, perdure, se incendeie e renove... nem murche nem morra. Nenhuma funciona: ele foge de qualquer sensatez, como o perfume das maçãs escapa num cesto de vime tampado.
           Se fôssemos sensatos haveríamos de procurar nem amar, amar pouco, amar menos, amar com hora marcada e limites. Mas o amor, que nunca tem juízo, nos prega peças quando e onde menos esperamos.
            Nunca nos sentimos tão inteiros como nesses primeiros tempos em que estamos fragmentados: tirados de nós mesmos e esvaziados de tudo o mais, plenos só do outro em nós.
            Nos sentimos melhores, mais bonitos, andamos com mais elegância, amamos mais aos amigos, todo mundo foi perdoado, nosso coração é um barco para o qual até naufragar seria glorioso (ah, que naufrágios...).
            Mais que isso, nesse castelo - como em qualquer castelo - não pode haver dois reis. Quem então cederá seu lugar, quem será sábio, quem se fará gueixa submissa ou servo feliz, para que o outro tome o lugar e se entronize e... reine?  
             A palavra "liberdade" teria de ser a mais presente, porém a mais convidada a discretamente afastar-se  e permitir que em seu lugar assuma o comando alguma subalterna: tolerância, resignação, doação, adaptação.
             Rondando o fosso do castelo, a vilã de todas: a culpa.
             Quem deixou sobre minha mesa um bilhete dizendo " Se você ama alguém, deixe-o livre" sabia das coisas, portanto sabia também o desafio que me lançava. No mundo das palavras há tantos artifícios quantas são as nossas contradições.
              Por isso, conviver é tramar, trançar, largar, pegar, perder, e nunca definitivamente entender o que - se fôssemos um pouco sábios - deveríamos fazer.
              Farsa, tragédia grega ou dramalhão mexicano, às vezes comédia de mau gosto, outras soneto perfeito: o amor, como as palavras, se disfarça em doces armadilhas ou lâminas mortais.



Extraído do livro: Pensar é transgredir - de Lya Luft

quarta-feira, 29 de julho de 2015

"... Sonha, Alice..."

     


           Ontem, recebi, através de meu e-mail, essa pérola (título) de alguém que, pela a ironia do contexto, há muito perdeu sua capacidade de sonhar e de acreditar em seus sonhos!
            Eu, felizmente, sempre acreditei nos meus, pois foi através deles que eu perdi o medo de me arriscar e de me transportar para um mundo de muitas possibilidades e assim,  promover inúmeras transformações em minha vida e na das pessoas que eu amava e admirava!
            Em 1973, quando ingressei pela primeira vez em uma Universidade, durante uma aula de Filosofia, do Primeiro Semestre de Letras, o professor, que era padre, daqueles bem irônico, que se sentia bem acima de todos nós alunos, levantou uma questão a respeito do ... " Querer nem sempre é Poder"... E durante a discussão ele ponderou sobre a impossibilidade de um jovem da periferia de Fortaleza querer ter acesso à Universidade, tendo em vista à sua realidade financeira como, ( meios de transporte, material didático ), capacidade cognitiva, etc e etc...).  Como toda "chata" que se preza, levantei a mão e lhe contestei: Professor, sou uma desses jovens que mora na periferia, tomo dois ônibus para chegar até aqui, e  nunca deixei de estudar por falta de material didático. E, nas mesmas condições que eu, nesta sala tem vários outros jovens de várias periferias que ingressaram nesta Universidade!
O irônico professor me olhou pasmo, e nem preciso lhes dizer que quase me reprovou, durante aquele semestre!
              Mas voltando ao título: "Sonha Alice", gostaria de enfatizar que não permitam a nenhum "babaca" interferir no tamanho dos seus sonhos, como queria fazer o infeliz daquele meu professor de Filosofia, pois mesmo morando, naquela época, na periferia da cidade, nada me impossibilitou de me deslocar dali e de conhecer grande parte do mundo, lindos lugares, cidades maravilhosas e de ter tido a felicidade de interagir com várias pessoas simples e inteligentes,  de todos os cleros e línguas estrangeiras e com elas ter aprendido e falado algumas.
             Foi acreditando nos meus sonhos que também me radiquei em Brasília, em 1979, que me recebeu de braços abertos, que me proporcionou mais liberdade e os meios de sobrevivência material e espiritual, onde vivi várias paixões, conheci o amor da minha vida, me casei e desse casamento nasceu minha linda e inteligente filha Paula, o meu maior sonho de vida e a minha melhor obra de arte, até hoje!  Por isso e por mais outros motivos insisto e persisto que:  Alice Deve Continuar Sonhando!!!