quinta-feira, 12 de março de 2015

Um poema filmado

           

              ... Ela, a vida, essa que nos faz entrar em bares suspeitos, chorar de amor, espiar pelas frestas, pegar no sono em cima de um balcão depois de beber demais. É noite escura e a gente sofre calado, deixa a conta pendurada, bebe de novo quando havia prometido parar e morre - morre mesmo! - de ciúmes sem ter tido tempo de saber que éramos amados.

               A vida e nossos vícios, nossas perdas, nossos encontros: quanto mais nos relacionamos com os outros, mais conhecemos a nós mesmos, e é uma boa surpresa descobrir que, afinal, gostamos de quem a gente é, e quando isso acontece fica mais fácil voltar ao nosso ponto de origem, onde tudo começou.
               A vida e a espera por um telefonema, a vida e seus blefes, e nosso cansaço, e nossos sonhos, e a rotina e as trivialidades, e tudo aquilo que parecerá sem graça se ninguém colocar um pouco de poesia no olhar. A vida e suas pessoas belas, feias, fortes, fracas, normais. Todas atrás da chave: aquela que abrirá novas portas, velhas portas, a chave que nos fará ter o controle da situação - mas queremos mesmo ter o controle da situação?  Não será responsabilidade demais? Deixar a chave nas mãos do destino é uma opção.

             Os sinais fecham, os sinais abrem. Você segue adiante, você freia. A gente atravessa a rua e vai parar em outro mundo, basta dar os primeiros passos. Viaja para esquecer, viaja para descobrir, e alguém fica parado no mesmo lugar, aguardando (quando pequeno, sua mãe lhe ensinou que, ao se perder na multidão, não é bom ficar ziguezagueando, melhor manter-se parado no mesmo lugar, aí fica mais fácil ser encontrado). Muitos estão parados no mesmo lugar, torcendo para serem descobertos.

                A vida como uma estrada sem rumo, a vida e seus sabores compartilhados, um beijo também é compartilhar um sabor.
                



Texto extraído do livro Felicidade Crônica - Martha Medeiros.